segunda-feira, 7 de abril de 2008

O silêncio da literatura

No bosque escuro, ainda as luzes da Natureza não tinham nascido e já o lobo, espantado pela fome, saía do casulo, à procura de Lua.
O segredo degredava os intestinos e a fome que ele próprio procurara, agora devorava-lhe por dentro tudo o que os olhos não podiam apreender.
No caminho, encontrou duas crianças, dois bébés que ocultavam o desconhecimento por detrás das lágrimas que soltavam pela terra adentro.
Os olhos não conseguiram ver, mas as crianças espantaram-no tanto que ficou ali, parado no tempo, imobilizado, a tentar perceber porque é que o choro de duas crianças era diferente de tudo o que alguma vez conhecera, ou intuíra.
Soltou um latido para a Lua, que entretanto espantou no céu uma forma gigante.


O caçador, perdido nos seus cabelos encaracolados, partiu noite adentro, devorado por uma fome que não sentia medo. Ou por um medo que o comandava.
Passou o riacho e continuou.
Passou a cabana e continuou.
Parou ao luar e contemplou. A sua solidão crescia ao minuto e os barulhos da noite propagavam-se no seu interior.


A lua espreitou de cima.
Também não percebia a luz que tinha por dentro e brilhava. Talvez fosse só reflexo. Por isso mesmo, menos percebia. Tentou calar aquela confusão toda que zombava duma terra infinita: sólida na sua existência, mística na sua aparência.


O riacho não parou. Não havia tempo a perder. As rochas afagou.


A criança chorou. O irmão estava ao lado. Mas o mundo era imenso demais. E aquele grito não tinha outra forma de sair.


A música também existiu. Mas só o caçador, a lua, o lobo, as crianças e o riacho é que a escutaram, quando de repente entrou de rompante noite adentro e paralisou o mundo todo. Como flautas que de repente cresciam que nem sequóias transparentes. As formas foram tudo o que inventou. E para trás ficou uma memória dum mar longínquo, cujas ondas baloiçavam ao sabor dum vento que naufragava mil sereias encantadas, que nas ilhas que procuravam, deixavam a esperança da vida, e nos barcos que cruzavam, as maravilhas da Terra.


O tesoiro espreguiçou seus braços lá no fundo do Mar. Coitado. Sozinho tilintava.


O relógio não parou.


E a cidade não escutou.

Um comentário:

Anônimo disse...

Saravá.

Gritos urbanos com a cabeça nos campos...