Artigo bastante interessante in: Publico.pt http://economia.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1315620 sobre Ética Empresarial e influencia da religiao na organizaçao do pensamento e estratégia do negócio.
Aqui fica um excerto:
04.01.2008 - 12h51
Por Ana Rute Silva
Judaísmo
A riqueza de Deus
A história de Alain Hayat, 63 anos, não é muito comum para um judeu. Foi o número dois da Renault Portuguesa entre 1988 e 1993 e viajou pelo mundo em funções de gestão na multinacional francesa - que incluíram abrir uma subsidiária do fabricante automóveis na Rússia. Depois do curso de economia e estatística feito em Paris, Alain, filho de uma família tradicional judia oriunda da Tunísia, entrou no mundo do trabalho como empregado.
"Tive uma vida muito cosmopolita, o que segue um pouco a perspectiva dos judeus. O primeiro passo que dava em cada novo país onde estava era contactar a comunidade judaica", conta em Lisboa, onde vive com a esposa portuguesa desde que se reformou. A religião, diz, traz consigo alguns problemas práticos para o gestor que depende de uma hierarquia. "Os judeus não trabalham ao Sábado e a preparação começa um dia antes. A partir das 15 horas de sexta-feira tinha de sair. Explicar isso ao patrão é complicado...", recorda, acrescentando que esta é uma das razões para que a maioria dos judeus se dediquem ao seu próprio negócio. Alain, que também é director da sinagoga Shaaré Tikva de Lisboa, sublinha que "qualquer religião traz consigo regras morais".
Contudo, há questões de fé que ultrapassam a gestão empresarial. "A decisão de despedir pessoas é um problema humano e não religioso. Quando tive de o fazer, sempre procurei respeitar as pessoas", aponta. Alain Hayat garante que há uma separação clara entre a gestão profissional e a religião ainda que, no judaísmo, a actividade profissional seja uma forma de ligação a Deus. "O judaísmo dá valor ao trabalho. Deus criou o Homem para terminar a sua obra. O mundo não está acabado. Fazer coisas positivas é uma forma de ser religioso e de demonstrar que se está a fazer o que Deus espera de nós", explica.
Segundo o rabino Eliezer Shai di Martino, a visão judaica da economia assenta em três pilares: capitalismo (a Torah reconhece os direitos de propriedade e da acumulação de riqueza – vista como uma bênção); fé (a riqueza e o bem-estar não são apenas produto da astúcia, são uma benção de Deus. Por outro lado, a riqueza não é propriedade do ser humano - é um depósito de Deus para que as pessoas se possam dedicar mais à vida espiritual); e actos de caridade (o bem-estar dos cidadãos é gerido pelas comunidades).
"Há alguns pontos de contradição com o capitalismo puro, nomeadamente na proibição de cobrar juros elevados. O dinheiro que temos é um depósito de Deus e ao emprestá-lo não podemos ser demasiado gananciosos", diz.
Ter salário em dia é um imperativo no judaísmo. "Quando uma pessoa tem um empregado não pode atrasar o pagamento. É uma questão de planificação", justifica Alain. Eliezer Shai di Martino acrescenta: "É uma proibição bíblica atrasar salários".
O antigo gestor da Renault, que fez carreira desde o "marketing" até altos cargos de gestão, acredita que a separação entre gestão e religião não pode ser conflituosa. "Não poder trabalhar ao Sábado é um problema 100 por cento pessoal, uma opção que me levava a fazer um planeamento. Um empresário terá de enfrentar o facto de parar o negócio", garante.
Catolicismo
O destino universal dos bens
No catolicismo – a vertente do cristianismo com maior número de crentes – o lucro é subordinado à ética. A Doutrina Social da Igreja refere que "a actividade económica, segundo os seus métodos e as suas leis próprias, deve exercer-se dentro dos limites da ordem moral, a fim de corresponder aos desígnios de Deus a respeito da humanidade".
A actividade económica, refere Nuno Fernandes Thomaz, administrador não executivo da Nutrinveste, do grupo Jorge de Mello, "é um meio para servir a humanidade". Dirigente da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), vice-presidente do Conselho Directivo do Fórum para a Competitividade e militante do CDS/PP, Nuno Thomaz é católico desde que se lembra. "Foram sementes deixadas desde o início", diz. Os valores que defende enquanto gestor misturam-se com a religião que professa, mas na hora de tomar decisões difíceis assume que tem "dilemas permanentes". A teoria e a prática enfrentam-se, entre a sustentabilidade a longo prazo de um negócio – que implica por vezes despedimentos – e a defesa do bem comum e a ajuda ao próximo. "Quando tive de despedir cerca de 100 a 200 pessoas enfrentei dilemas dolorosos. Mas a empresa onde estava, na altura, em meados dos anos 90, é hoje viável", explica.
Nuno Thomaz prefere pôr a tónica na responsabilidade social, tema que tem dominado debates na ACEGE. A criação de valor de uma empresa passa pelo seu papel social, económico e ambiental, numa óptica de sustentabilidade a longo prazo. "Aos valores 'pessoas, lucro e planeta' junta-se um quarto: o da dimensão espiritual", sublinha. Iniciativas como o lançamento do Código de Ética dos Empresários e Gestores reforçam esse novo olhar. Até porque em momentos de conflito de valores "são essenciais critérios claros que ajudem a decidir de acordo com os princípios de uma recta consciência, baseados na Doutrina Social da Igreja", lê-se no preâmbulo do documento, lançado pela ACEGE.
Peter Stilwell, director da faculdade de Teologia da Universidade Católica, explica que no catolicismo "há o princípio do destino universal dos bens": toda a Humanidade tem direito ao usufruto dos bens. O lucro foi encarado, durante muito tempo, como algo negativo. O mesmo se passava com a riqueza proveniente dos jogos dos mercados financeiros. "O Papa João Paulo II introduziu a noção de lucro justo. Pode ser um critério de eficiência da empresa e, justamente investido, aproveitado para o lucro comum, respondendo às necessidades da sociedade", explica Peter Stilwell. Para os católicos o capital não é mais do que a acumulação do trabalho. Mas o dinheiro não é para ser esbanjado.
Islamismo
A importância do negócio lícito
Ismail Karolia pede uns minutos para poder cumprir mais uma oração do dia. No Mk Halal, restaurante de "fast food" com comida do oriente em Odivelas, jovens entram e saem com tabuleiros cheios de hambúrgueres de frango ou kebabs. Ismail, com apenas 23 anos, pensou o conceito ao pormenor, seguindo todos os preceitos da religião islâmica. No menu não há carne de porco nem álcool. Aliás, a carne utilizada para confeccionar os alimentos é "halal" ou seja, o abate dos animais segue as práticas islâmicas, com presença humana e técnicas de corte que, diz o jovem empresário, "eliminam 95 por cento das hipóteses de contaminação de doenças".
"Este é um conceito étnico e a empresa tem cariz familiar – o meu pai é sócio honorário", explica Ismail, depois de ter cumprido o ritual de mais uma oração. No restaurante de Odivelas e no do centro comercial Rio Sul, no Seixal, há um pequeno espaço onde os proprietários podem rezar. Os clientes são de todas as religiões, mas o conceito "halal" é "para um mercado muito específico". No negócio que criou, tudo é lícito para consumo. Não teria sentido de outra forma.
"A minha religião está ligada ao meu negócio, que nasceu em 2003. Tento não marcar reuniões nas horas de oração, por exemplo. Os produtos que comercializo são todos permitidos. E o zakat (contribuição de 2,5 por cento dos lucros para os mais pobres) é um compromisso normal", conta.
A segunda maior religião do mundo encoraja as práticas empresariais e o comércio. A prosperidade é desejável, mas não é um objectivo em si mesmo. O Xeque David Munir, Imã da Mesquita de Lisboa, explica que é proibido "ter uma riqueza que provenha da exploração de pessoas". A caridade aumenta a riqueza e, por isso, o zakat serve para "purificar" o dinheiro obtido. Vender álcool é proibido, daí que os empresários da hotelaria entreguem a exploração do bar a não muçulmanos. Ismail Karolia prefere não ter esse problema para resolver e aboliu a venda de álcool nos restaurantes, mesmo que com isso obtivesse mais lucro. Os dez novos restaurantes que pretende abrir em Portugal seguirão as mesmas regras. "A minha opção em ter carne 'halal', por exemplo, encarece o preço da matéria-prima em 40 por cento, mas eu consigo praticar ao público os mesmos preços da concorrência", garante, revelando que cada unidade tem uma facturação anual de 180 mil euros. Os novos restaurantes serão abertos através de "franchising" e depois do território nacional o empresário espera entrar em Espanha, onde há 1,5 milhões de muçulmanos.
O cumprimento das promessas e dos contratos, bem como a honestidade são valores cruciais. A usura não é permitida e os juros cobrados num empréstimo à habitação, por exemplo, são encarados como "inflação". O recurso excessivo ao crédito é desincentivado. A palavra de ordem é o equilíbrio.
Para um muçulmano, a relação com os empregados também tem regras específicas. Para além de ser banida qualquer tipo de exploração, o cumprir o pagamento de salários é fundamental. "O Alcorão diz: Pague ao seu funcionário antes de secar o suor", cita David Munir. No Mk Halal – que entre funções de logística, administrativas ou nas lojas já emprega 20 pessoas – 90 por cento dos trabalhadores não são muçulmanos. Mas nem por isso deixam de beneficiar das regras do Islão.
"Para mim é normal gerir desta forma. O meu balanço anual, por exemplo, é sempre feito no mês do Ramadão", diz Ismail.
Hinduísmo
Doar para purificar
Kirit Bachu está sentado de pernas cruzadas em cima de um tapete de esponja, forrado a tecido bordeaux. Juntou-se ao grupo de homens e mulheres que assistem, numa sexta-feira fria, à cerimónia religiosa no templo da Comunidade Hindu de Portugal.
"Numa actividade comercial nunca se deve enganar uma pessoa. O lucro tem de ser justo, não exagerado. E quando se atinge um certo patamar, devemos tirar uma parte para caridade. Assim estamos a purificar os proveitos que tivemos", diz, mais tarde, ao PÚBLICO.
O empresário de 55 anos, dono da Interbrinca, importadora de brinquedos da Rua da Madalena, em Lisboa, chegou a Portugal em 1980. Os avós e os pais eram comerciantes em Moçambique e desde que nasceu Kirit estava quase predestinado a seguir-lhes os passos, cumprindo a tradição hindu. Hoje tem 12 empregados que fazem parte da mesma equipa.
Ashok Hansraj, porta-voz da Comunidade Hindu de Portugal, explica que no Hinduísmo as relações hierárquicas não se limitam a uma posição de superioridade.
"Um empresário tem de criar um ambiente ameno e agradável na empresa para que haja produtividade. Este é um princípio antigo", refere. Os princípios da religião que Kirit professa intervêm na actividade comercial, que faz parte da sua tradição familiar há quatro gerações. "É claro que as decisões são económicas, baseadas no negócio, mas há aspectos que são característicos da minha religião. Os hindus por norma não gostam de exibir a riqueza", ilustra. O desapego ao materialismo está muito presente nesta religião. Ashok Hansraj explica que os bens são necessários, mas lembra: "Viemos ao mundo de mãos vazias e vamos regressar de mãos vazias. Deixamos a obra". A riqueza indevida, obtida através de meios ilícitos, é um vírus. Nem que apenas uma pequena percentagem de uma grande fortuna seja proveniente de "dinheiro sujo" todo o negócio é afectado. As acções filantrópicas dão, por isso, bom karma.
No templo, mulheres e homens sentam-se em locais diferentes, virados para o altar onde os deuses hindus são homenageados.
À medida que os cânticos enchem o espaço, dominado pelos tons bordeaux e dourado, entram mais hindus, jovens e adultos descalços. Kirit Bachu prefere não revelar dados financeiros da Interbrinca (os números não são tão bons como eram há alguns anos) e vai dizendo que os hábitos mudaram. A educação a que hoje os filhos têm acesso faz desviar o destino certo no ramo comercial para outros voos, até porque no Hinduísmo não há imposições, nem carreiras profissionais proibidas. "Já têm outra ambição, querem formar-se. A profissão já não passa de geração em geração", diz, com ar conformado.
Budismo
O desapego aos bens materiais
Ganhar dinheiro. Era este o maior objectivo profissional de Carlos Quintas, fundador da Sociedade de Software Financeiro e, mais tarde da Altitude Software, quando terminou o curso de engenharia electrotécnica de sistemas digitais no Técnico, em 1982. Mas a visita de Dalai Lama a Portugal em 2001 mudou tudo. Dono de uma empresa que facturava 20 milhões de euros e que, no seu pico de actividade, chegou a ter 400 funcionários, Carlos Quintas, hoje com 48 anos, decidiu deixar literalmente tudo para trás e aprofundar a prática do Budismo. Vendeu os dez por cento de capital que detinha na Altitude Software e partiu para o Sul de França para um retiro de quatro anos.
"Foi um choque total e absoluto para a família e amigos. Mas para treinar a mente e desenvolver o amor, a compaixão e o espírito altruísta teria de me isolar. Não é fácil explicar isto aos outros", conta. De regresso a Lisboa, o empresário não traçou planos para o futuro. Quer aplicar o que aprendeu. "É provável que surjam oportunidades, nomeadamente na área das novas tecnologias, mas hoje tento não me apegar às coisas. Ganhar dinheiro não traz felicidade", explica. A visão mudou. Carlos Quintas percebeu que se quer aplicar a filosofia budista aos negócios tem de ter como intenção gerar felicidade aos outros e a si próprio. "No mundo dos negócios há sempre a tendência para dar prioridade ao lucro, mesmo não sendo muito ético. Mas ter essa atitude é, no fundo, uma estupidez porque terei sempre consequências", continua.
No Budismo todas as acções têm consequências (positivas ou negativas). Paulo Borges, presidente da União Budista Portuguesa, explica que "a gestão fundamental não é a da riqueza material, mas de processos mentais e emocionais". As condições materiais não influenciam a felicidade e o treino, através da meditação, pode diminuir a importância do materialismo. No livro "Realização e serenidade na vida profissional", Dalai Lama refere que não há nada de errado em ganhar dinheiro.
O problema é quando a "motivação para ganhar dinheiro se torna um fim em si mesmo". Um empresário ou gestor budista deve ter um meio de vida que não prejudique directa ou indirectamente outro ser vivo e deve contribuir para o bem comum. Ser dono de um império económico é, aliás, resultado de práticas antigas de generosidade. O essencial e não ter apego à riqueza.
"Utilizar a motivação correcta é a melhor maneira de florescer o negócio. Se eu for altruísta e generoso vou beneficiar muito mais. É assim que funciona a mecânica do mundo", resume Carlos Quintas.
[Suplemento Economia]
2 comentários:
O que a vida me ensinou é que os nossos olhos nos fazem cegos, ficamos apegados demais ao que está à nossa frente. É impotante seguir o nosso instinto e as nossas mais profundas convicções, a religião(ordem) só se revelam realmente importantes em casos extremos, guerras etc... pela organização e determinação com que se fazem as coisas e quem ganha ou sobrevive é quem está mais organizado e unido. Em situações normais muita gente tem falta de objectivos, sonhos ou convicções e apegar-se a uma religião ou grupo é essencial como motivação e como caminho ao sucesso em todo o sentido da palavra.
Acredito na budismo e para mim é a religião que se revela mais empática, e uma induçãozinha para meditar não faz mal a ninguém, mas o objectivo primordial da relegião é para mim, unir esforços e mentes e com isso trazer paz a esta passagem muitas vezes penosa por este planeta.
Ok, entao fazes consideras que ganhas ou irás ganhar dinheiro com base numa "ética" tal como está descrito no artigo in the budist way?
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